Você é uma obra de arte.
Cada traço milimetricamente calculado.
Cada cílio perfeitamente colocado.
Cada pincelada delicadamente feita.
Saiu da folha e ganhou vida própria.
Mas não pode ir para aonde quer ir.
No museu tu és pendurada.
Alardeada como um troféu, sempre impecável, observe a iluminação e os olhares, mostre seus melhores ângulos, não escolha a moldura errada.
O tempo passa, a pintura lasca, as aquarelas desbotam.
Os olhares passam a ser escassos e cruéis.
Ainda presa aquela parede, ainda refém dos críticos de arte.
Em frente a sua exposição existe uma janela, o verde das árvores contrasta com o cinza das edificações. Uma mãe beija sua criança, amantes se abraçam, o cachorro corre atrás de sua família.
Mas você não, obras de arte são intocáveis, lembra?
Aonde vai?
Volte aqui, os óleos não aguentam a luz do sol.
Não vire aí, a tela irá desfiar se tocar nos arbustos.
Evite a saída, é tão mais seguro aqui dentro…
O público te encara, chocado. O que fez?
Palmas.
O curador vem te dar um abraço, ainda não entende.
“De res a civis” ele diz.
A pintura havia virado artista e seus medos haviam sido expostos.
Parabéns.